Inconstitucionalidades da LC 192/2022 que trata do ICMS Monofásico sobre combustíveis

Inconstitucionalidades da LC 192/2022 que trata do ICMS Monofásico sobre combustíveis

by Leonardo Cunha

A Lei Complementar nº 190/2022 foi aprovada em tempo recorde de 3 dias (PLC nº 11/2020, originariamente aprovado no Senado Federal em 10/03/2022, no dia seguinte’ aprovado na Câmara dos Deputados e no mesmo dia, 11/03/2022, sancionado pelo Presidente da República em edição extra do Diário Oficial.

 

Deve ser relembrado que para a aprovação de Lei Complementar, o quórum em cada uma das duas casas do Congresso Nacional deve ser qualificado (maioria absoluta – pelo menos a metade mais um, de todos os membros de cada casa).

 

Como se constata, quando se tem vontade política as coisas andam!

 

A LC nº 192/2022 institui o regime monofásico de ICMS para os combustíveis gasolina e etanol anidro combustível, diesel e biodiesel e gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado do gás natural.

 

Aqui se destaca, que o etanol em questão é o anidro, utilizado na mistura da gasolina ‘tipo A’, para formar a gasolina ‘tipo “C’[1]. Assim, o etanol hidratado (‘concorrente da gasolina’), utilizado nas bombas para abastecer diretamente veículos não entra na monofasia, permanecendo sua tributação com antes.

 

Em seguimento, a lei em evidência, buscou regulamentar o artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea ‘h’ da Constituição Federal. Contudo, a própria Constituição Federal tratou de limitações à essa regulamentação que foram desrespeitadas. Como se não bastasse isso, ainda há outras incongruências adiante mencionadas.

 

Destaca-se que já tem sido divulgado, que o Estados e do Distrito Federal vêm estudando a proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), questionando se mudança implementada por essa Lei Complementar fere ou não o pacto federativo e o princípio da autonomia dos Estados, que são cláusulas pétreas, imutáveis da Constituição Federal.[2]

Abaixo são indicados alguns pontos que merecerão atenção:

 

1) Extrapolação dos limites previsos no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea ‘h’ da CF/88.

 

Ao se verificar o teor do dispositivo constitucional, a que se pretendeu regulamentar, consta expressamente que caberá a Lei Complementar ‘definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b’.

 

Com isso, a Lei Complementar em destaque, não poderia ter regulado matéria diversa da definição sobre quais combustíveis seria aplicada a monofasia do ICMS.

 

Houve repetição do teor normativo da Constituição Federal (art. 155, § 4, incisos de I a III) nos seguintes pontos:

 

Nas operações interestaduais,

 

com lubrificantes e combustíveis derivado de petróleo, a destinação do ICMS será integralmente para o Estado de destino.

 

entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, bem como com lubrificantes e combustíveis não derivados de petróleo, a destinação do ICMS será repartida entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias.

 

destinadas a não contribuintes, com gás natural e seus derivados, assim, com aquelas com lubrificantes e combustíveis não derivados de petróleo, a destinação do ICMS ficará com o Estado de origem.

 

Em continuidade, acabou por definir quem seriam os contribuintes, quais sejam: o produtor e aqueles que lhe sejam equiparados e o importador dos combustíveis, alcançando, também, aqueles que produzem combustíveis de forma residual, os formuladores de combustíveis por meio de mistura mecânica, as centrais petroquímicas e as bases das refinarias de petróleo.

 

Dessa maneira, ao tratar de fato gerador, base de cálculo, alíquotas, e contribuintes, matérias gerais em matéria tributária, foram estabelecidas novas relações jurídicas. E, em sendo assim, há a possibilidade, legítima, de discussão de que a lei em análise, apenas teria eficácia a partir de 2023, já que teria de observar a anterioridade plena (a de exercício e a nonagesimal).

 

Inclusive, importa mencionar, que praticamente sempre, em que há alteração substancial no regime tributário, tem sido considerado pelo Supremo Tribunal Federal, como equivalente de criação de nova tributação, devendo obedecer a anterioridade plena (a de exercício e a nonagesimal)[3].

 

2) Alíquotas:

 

2.1) ICMS

 

a cobrança do ICMS deixa de ser um percentual (alíquota ad valorem) sobre o preço médio dos combustíveis, passando a ser uma alíquota fixa por unidade de medida (alíquota ad rem), no caso o litro e metro cúbico;

 

serão uniformes em todo país, podendo ser diferenciada por produto (em que por exemplo, a gasolina em todo o país terá a mesmo valor cobrado de ICMS, que poderá ser diferente para o diesel e para o álcool).

 

deverão ser fixadas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ (com representação de todos os Estados do Distrito Federal), sendo este Conselho, o responsável por autorizar a concessão ou revogação de isenções. Como o ICMS sobre combustíveis, tem em média, uma representação de aproximadamente 20% da arrecadação dos Estado, dificilmente se abrirá mão das receitas;

 

na definição das alíquotas deverá ser previsto um intervalo mínimo de 12 meses entre a primeira fixação e o primeiro reajuste dessas alíquotas, e de 6 meses para os reajustes subsequentes.

 

 

Obs.: com a fixação de alíquotas do ICMS definidas pelo CONFAZ para os combustíveis, que deverá observar os termos da Lei Complementar nº 24/1975[4], não quer dizer que haverá redução da tributação, podendo em alguns casos até aumentar.

 

A lei descreve que poderá haver a diminuição ou o restabelecimento (retorno ao valor anteriormente praticado) das alíquotas no mesmo exercício financeiro, apenas respeitando-se o prazo da anterioridade nonagesimal (90 dias), para o caso de restabelecimento. Aqui se repetiu a previsão já prescrita na Constituição Federal (art. 155, § 4º, inciso IV, alínea ‘c’).

 

Adverte-se, caso haja aumento de alíquota para além do patamar anterior a que retornaria (reestabelecimento), obrigatoriamente deverá ser observada tanto a anterioridade de exercício, quanto a anterioridade nonagesimal.

 

Além disso, a fixação de um prazo tão grande para possibilitar a alteração das alíquotas, cria-se a chance de prejuízos tanto para os Estados quanto para os contribuintes, pois poderá haver uma desproporcionalidade entre os valores praticados e a formação do preço final ao consumidor, que é ponto a ser observado, conforme definido pela própria LC nº 192/2022 (art. 6º§ 4º).

 

 

2.2) PIS/COFINS

 

As alíquotas de PIS e de COFINS sobre combustíveis, óleo diesel e suas correntes,

gás liquefeito de petróleo - GLP derivado de petróleo e de gás natural, querosene de aviação e biodiesel, abrangendo as operações de importação, foram zeradas. Porém, isso ocorrerá apenas até 31/12/2022.

 

Por conseguinte, mantendo-se o teor do texto da lei, já no início de janeiro de 2023, as alíquotas de PIS e de COFINS em questão serão retomadas ao patamar anteriormente previsto na legislação.

 

3) Manutenção de créditos das operações

 

Há previsão expressa na Constituição Federal de 1988 (art. 155, § 2º, XII, alínea ‘f’), que cabe à Lei Complementar ‘prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias’.

 

E, no caso, há ausência de previsão de manutenção dos créditos de ICMS. Por outro lado, há menção expressa da autorização de manutenção dos créditos de PIS e de COFINS, mesmo com a as alíquotas zeradas.

 

Em sendo assim, pela atual redação da LC 192022, as aquisições de combustíveis mesmo que utilizados com insumos não gerarão créditos de ICMS, nada impedindo que alteração legislativa, por Lei Complementar, possibilite a geração e utilização de créditos.

 

Ainda, os Estados, a fim de reduzir ou compensar o impacto da impossibilidade de utilização de crédito de ICMS, poderão, eventualmente, celebrar regimes especiais com os contribuintes, a ser avaliado caso a caso.

 

4) Renúncia de receita

 

A própria Lei Complementar em questão (art. 8º), no que refere às proposições legislativas e aos atos do Poder Executivo que entrarem em vigor no exercício de 2022, atinentes aos combustíveis por ela indicados, tratou de afastar a necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) afeta à renúncia de receitas.

 

Dessa maneira, não houve e não há, a necessidade de se demonstrar a estimativa de receita na Lei Orçamentária e que a renúncia fiscal não afetará as metas fiscais previstas nas diretrizes orçamentárias.

 

De igual forma, ficou dispensada a obrigatoriedade de buscar implementar (previamente) medidas de compensação (instituição ou aumento de outros tributos) no período em que eventualmente ocorra a perda de arrecadação.

 

Porém, olvida-se que a o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal é norma geral em Direito Financeiro, em conformidade com a competência delineada no artigo 163, da Constituição Federal de 1988.

 

Nesse passo, a LC nº 192/2022 não cumpre a função de ser geral e muito menos especial em tratar de Direito Financeiro, demonstrando-se mais uma impropriedade.

 

5) Regra de transição

 

Até que a mudança implementada pela LC nº 192/2022 seja disciplinada, o período da sua vigência até 31/12/2021, considerara como base de cálculo do ICMS sobre combustíveis, a média móvel dos preços praticados ao consumidor final nos últimos 60 dias anteriores à fixação que for definida (art. 7º da LC192/2022).

 

Essa regra de transição poderá causar perda de arrecadação. E tendo isso em consideração, os Estados e o Distrito Federal e iniciaram as discussões sobre o novo Convênio do CONFAZ, que definirá, também, qual será a alíquota por litro e por metro cúbico a ser aplicada.

 

Conclusão

 

Como mencionado, a LC nº 192/2022 ao regulamentar o artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea ‘h artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea ‘h’, deveria ter exclusivamente feito a definição de quais combustíveis haveria a aplicação do regime monofásico do ICMS.

 

Ao tratar de fato gerador, base de cálculo, alíquotas, e contribuintes, matérias gerais em matéria tributária, acabou por estabelecer novas relações jurídicas, o que certamente propiciará discussões sobre a afronta a autonomia dos Estados, abrangendo pacto federativo, bem como sobre o início de eficácia, em que deveria se observar a anterioridade de exercício e a anterioridade nonagesimal.

 

Na definição dos combustíveis objetos da monofasia, não fora incluído o etanol hidratado (álcool, concorrente da gasolina ‘tipo C’), mas apenas o etanol anidro (o que é misturado com a gasolina para a formação da gasolina tipo C.

 

Já no que refere à fixação de alíquota fixa de ICMS, uniforme em todo o território nacional, não há garantias de que haverá redução da carga tributária desse imposto, pois, dependerá de deliberação dos Estados e do Distrito Federal via CONFAZ, que avaliarão até que ponto a renúncia de receita de arrecadação poderá ser tolerada.

 

Como regra de transição, até o dia 31/12/2022, a base de cálculo do ICMS será considerada a média móvel dos preços praticados ao consumidor final nos últimos 60 dias anteriores à fixação da alíquota que for definida.

 

Quanto ao PIS e à COFINS, para os combustíveis que a lei trata (abrangendo as operações de importação), as alíquotas ficarão zeradas apenas até 31/12/2022, retornando aos patamares anteriormente previstos a partir de janeiro de 2023.

 

Por ausência de previsão, os valores de ICMS nesse novo regime, agora monofásico, não gerarão créditos que possam ser aproveitados pelos contribuintes, ainda que consumidores.

 

No entanto, para as operações tratadas, o PIS e a COFINS, com as alíquotas zeradas, cria-se, nesse período até 21/12/2022, uma espécie de crédito presumido, que poderá ser aproveitado.

 

A LC nº 192/2022 desconsidera que praticamente sempre, em que há alteração substancial no regime tributário, tem sido considerado pelo Supremo Tribunal Federal, como equivalente de criação de nova tributação, devendo se obedecer a anterioridade plena (a de exercício e a nonagesimal).

 

Ainda, ao se editar a LC nº 192/2015, olvidou-se não este diploma legal não cumpre a função de ser norma geral e muito menos especial no que tange ao Direito Financeiro, em que a Lei Complementar nº 101/2000 cumpre essa função, não podendo ser propositadamente ignorada.

 

O cenário atual é ainda de incerteza, de como efetivamente as coisas funcionarão, inclusive com perspectivas de grandes impactos para as empresas que utilizam combustíveis como insumo e aproveitavam os créditos de ICMS decorrentes das aquisições realizadas.

 

Assim, embora o ICMS em questão passe a ser monofásico, não gerando créditos, os Estados, a fim de reduzir ou compensar o impacto da impossibilidade de utilização de crédito, poderão, eventualmente, celebrar regimes especiais com os contribuintes, a ser avaliado caso a caso.

 

Por fim, diante desse quadro apresentado, acredita-se que várias disputas judiciais advirão do teor dessa nova lei.

 

A Lacerda Diniz Sena Advogados está disponível para sanar quiser dúvidas sobre o tema.

 

[1] https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/producao-e-fornecimento-de-biocombustiveis/etanol

Resolução ANP nº 19/2015

Art. 3º Para efeito desta Resolução definem-se:

IX - Etanol Anidro Combustível (EAC): Etanol Combustível destinado para mistura com gasolina A na formulação da gasolina C;

X - Etanol Combustível: biocombustível proveniente do processo fermentativo de biomassa renovável, destinado ao uso em motores a combustão interna, e possui como principal componente o etanol, o qual é especificado sob as formas de Etanol Anidro Combustível e Etanol Hidratado Combustível;

XI - Etanol Hidratado Combustível (EHC): Etanol Combustível destinado à utilização direta em motores a combustão interna;

XII - Etanol Hidratado Combustível Premium (EHCP): Etanol Hidratado Combustível, com massa específica a 20ºC variando de 799,7 a 802,8 kg/m3;

[2]https://www-jota-info.cdn.ampproject.org/c/s/www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/estados-estudam-ir-ao-stf-contra-mudanca-no-icms-dos-combustiveis-16032022?amp.

O Professor Heleno Torres defende que ‘Logicamente, o poder de "deliberação dos Estados e do Distrito Federal" não é amplo aponto de afastar o papel da União, como legislador nacional, por meio das competências de editar normas gerais do artigo 146, III e art. 155, § 2º, XII da CF. Logo, nada impede que Lei Complementar disponha sobre o procedimento (forma), ou sobre os regimes a serem considerados na "aplicação (...) inclusive as relativas à apuração e à destinação" do CMS-combustíveis. É o que se encontra nos art. 3º a 6º da Lei complementar nº 192/2022.

A atribuição de competência aos convênios estaduais pressupõe um regime normativo que seja "aplicado" e que defina o modelo de "apuração". Deveras, não se pode empregar interpretação que atribua poder exclusivo aos convênios para dispor sobre alíquotas ou base de cálculo do ICMS-combustíveis, com esvaziamento das competências para editar normas gerais em matéria de ICMS, que é exclusiva da União.

O convênio de ICMS-monofásico, na forma do art. 155, § 4º, IV, da CF, combinado com o artigo 155, § 2º, XII, "g", da CF, reclama o consenso prévio dos estados e do Distrito Federal, mas sempre nos limites dos pressupostos a serem atendidos, na condição de "normas gerais".’ Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2022-mar-18/consultor-tributario-modelo-tributacao-combustiveis-luz-constituicao.

[3] ADI 2325 MC, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 06/10/2006; RE 543.132 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 10/05/2013; RE 564.225-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe 18.11.2014, AI 713.194, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 5/4/2016, RE 775.181, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 27/10/2016, AI 713.194, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 05/04/2016., RE 1.081.041-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, Dje 14/11/2017, RE 1.134.239, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 30/11/2018, e RE 1.150. 649, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 21/08/2018.

[4]‘LC nº 24/19785 - Dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e dá outras providências.’

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