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Terceirização no transporte rodoviário de carga: aspectos atuais e práticos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 48

Por Marcelo Pinto, Camila Lanza e Raphael Maroca | 29/11/2022

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Terceirização no transporte rodoviário de carga: aspectos atuais e práticos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 48

Por Marcelo Pinto, Camila Lanza e Raphael Maroca | 29/11/2022

Em 2007, a Lei 11.442 regulamentou o Transporte Rodoviário de Cargas realizado em vias públicas, no território brasileiro, assim como previu normas para viabilizar a contratação direta do transportador autônomo de cargas pela empresa de transporte rodoviário de cargas ou pelo dono da carga.

Dentre as várias matérias regulamentadas pela referida lei, a maior inovação dessa legislação foi a autorização expressa para que a empresa de transporte rodoviário de cargas ou o dono da carga contrate diretamente o transportador autônomo de cargas para realizar o transporte rodoviário de carga. A lei também destacou que essa relação é comercial de natureza civil. Ou seja, a Lei 11.442/2007 autorizou inequivocamente a terceirização da “atividade-fim[1]” das empresas transportadoras.

Porém, mesmo após a publicação da lei 11.442/2007, a Justiça do Trabalho, em regra, proferiu decisões no sentido de não reconhecer a natureza comercial da relação celebrada entre o transportador autônomo de cargas e a empresa de transporte rodoviário de cargas ou o dono da carga e, consequentemente, reconheceu a relação de emprego entre eles. Basicamente, o argumento verificado nas decisões dos juízes do trabalho era no sentido de que a lei permitia a terceirização da atividade-fim das empresas de transporte, o que até então era vedado genericamente pela Súmula 331 [2]do Tribunal Superior do Trabalho.

Ocorre que, a partir da declaração de constitucionalidade da Lei 13.429/2017 (Lei da Terceirização), pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, o cenário mudou. Nesse julgamento, o STF entendeu que a Constituição da República não veda uma empresa de contratar uma empresa terceira para realizar parte da sua atividade econômica principal. Assim, o STF reconheceu a licitude da contratação de mão-de-obra terceirizada, para fins de prestação de serviços correlacionados com a atividade-fim, levando em conta o disposto na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

Apesar de declarar lícita a contratação entre empresas, independentemente do objeto social dessas, o STF manteve a possibilidade de responsabilização subsidiária da empresa contratante, beneficiária da mão-de-obra do trabalhador, pelos créditos trabalhistas inadimplidos pela empregadora.

Dessa forma, com o julgamento da terceirização pelo STF, já era possível defender a terceirização da “atividade-fim” das empresas de transporte rodoviário de cargas.

Em meados de 2020, o STF, ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade n. 48, declarou a constitucionalidade da Lei 11.442/2007, afirmando ser possível a terceirização de atividade-meio ou fim no transporte rodoviário de cargas e, consequentemente, afastou quaisquer dúvidas que ainda existia nesse sentido. O STF declarou que a relação do transportador autônomo de carga com a contratante é meramente comercial, portanto, de natureza civil. Conforme mencionado na tese do STF, para a configuração da relação estritamente comercial entre as partes envolvidas no transporte rodoviário de cargas, é necessário estarem preenchidos todos os pressupostos elencados pela Lei 11.442/2007. Quanto a isso, destaca-se a exigência de que o transportador autônomo de cargas tenha inscrição no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas - RNTR-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT e seja proprietário, co-proprietário ou arrendatário de ao menos um veículo.

Além disso, o STF também consolidou entendimento no sentido de que qualquer discussão relacionada ao contrato de transporte rodoviário de carga deve ser, inicialmente, realizada na Justiça Estadual Comum, e não na Trabalhista. Em razão disso, surgiu uma corrente jurídica no sentido de que se o transportador autônomo de carga pretender a declaração da relação de emprego com a empresa contratante, ele deverá ajuizar a ação perante a Justiça Comum. Esta, se verificar a presença dos elementos da relação de emprego, encaminhará o processo para a Justiça do Trabalho. Todavia, é importante esclarecer que a decisão do STF não faz esse registro de forma expressa, o que tem gerado decisões judiciais conflitantes sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar a ação judicial   que pretende o reconhecimento da relação de emprego entre o transportador autônomo de cargas e a contratante, seja ela a empresa de transporte de cargas ou o dono da carga.

À exemplo, destacamos que há decisões que reconhecem que a Justiça do trabalho não[3] tem competência para analisar se os requisitos da relação de emprego estão presentes, ao passo que também encontramos decisões reconhecendo a competência trabalhista[4] para investigar a relação de emprego entre o transportador autônomo de cargas e a contratante.

Apesar da insegurança jurídica quanto à competência da Justiça Comum para julgar os casos, a Justiça do Trabalho vem aplicando o entendimento firmado pelo STF de que a relação existente entre o transportador autônomo de cargas e a empresa de transporte de cargas ou o dono da carga possui, a princípio, natureza estritamente comercial.

Portanto, a conjectura legislativa e também jurídica atual autorizam a terceirização da atividade fim das empresas de transporte rodoviário de carga, isentando-as de responsabilidades trabalhistas para com o transportador autônomo de carga e valorizando a liberdade econômica empresarial.

 

[1] Atividade fim é a atividade principal de uma empresa, aquela atividade a qual foi motivo de abertura da empresa.

[2] Súmula 331 do TST: I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

[3] INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSPORTADOR AUTÔNOMO DE CARGA. LEI 11.442/07. Tratando-se de demanda envolvendo relação de cunho comercial, regida pela Lei 11.442/07, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros, a competência é da Justiça Comum, conforme entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADC 48.

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010341-17.2022.5.03.0031 (ROT); Disponibilização: 04/07/2022; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Jose Murilo de Morais)

[4] RECURSO ORDINÁRIO. VINCULO DE EMPREGO. LEI 11.442/2007. COMPETÊNCIA. Embora a prestação de serviços de transporte rodoviário autônomo, mediante a utilização de veículo do próprio motorista e do pagamento de frete, seja regulamentada pela Lei n. 11.442/2007, que autoriza, no seu art. 2º, a contratação de "TAC" (Transportador Autônomo de Cargas), situação em que a competência seria da Justiça comum, faz-se mister a apuração detida dos fatos de modo a averiguar se não se encontra encoberta uma verdadeira relação empregatícia, quando a competência, prevista em sede constitucional, é da Justiça do Trabalho. É o que se infere da expressão "Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007...", conforme consta expressamente da decisão proferida na ADC 48. Logo, a natureza comercial e autônoma da relação do transportador rodoviário de carga constitui presunção relativa, sendo necessário verificar-se a realidade fática para se apurar as reais condições de trabalho do motorista.

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0011544-02.2017.5.03.0027 (ROT); Disponibilização: 17/05/2022, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2259; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Redator: Juliana Vignoli Cordeiro).

 

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