Contrato Social: o que não pode faltar?
Contrato Social: o que não pode faltar?
Por Telder Lage | 03/10/2022
Contrato Social: o que não pode faltar?
Por Telder Lage | 03/10/2022
O contrato social é o instrumento jurídico que formaliza o acordo de vontade dos empreendedores que resolvem explorar em conjunto uma atividade econômica, por meio da criação de uma pessoa jurídica. Uma das principais funções do contrato social é regulamentar a relação entre os sócios e a forma de gestão dos negócios, sendo de crucial importância a elaboração de um bom instrumento, a fim de prevenir ou minimizar futuros problemas de relacionamento entre os sócios.
A maior parte das empresas é constituída com o modelo de contrato social fornecido pela Junta Comercial do Estado em que se situa, ou utiliza modelos prontos disponíveis na internet. Ocorre que, a maior parte desses modelos é desenvolvida de maneira simplificada, apenas com as cláusulas essenciais (obrigatórias) para a sua aprovação pelo órgão de registro, sem se preocupar com a inclusão de cláusulas que, apesar de facultativas, se mostram de extrema importância prática.
As cláusulas obrigatórias são aquelas cuja ausência inviabilizariam o registro da empresa, portanto, representam o mínimo de regulamentação exigido para a criação formal da Sociedade. Importante destacar que o contrato social elaborado apenas com as cláusulas obrigatórias não é completo, possuindo diversas lacunas que poderão trazer problemas futuros. As cláusulas obrigatórias são:
Além das cláusulas obrigatórias os sócios é recomendável que os sócios regulamentem outros pontos que são de extrema relevância. A título de exemplo, podemos citar as seguintes cláusulas facultativas:
O código civil brasileiro estabelece que os sócios devem participar nos lucros de maneira proporcional à sua participação no capital social, salvo previsão expressa em sentido contrário. Assim, se o contrato social não trouxer nenhuma regra sobre a distribuição de dividendos, o sócio que tenha 10% do capital social sempre terá direito a uma participação nos lucros neste mesmo percentual.
Contudo, esta regra pode ser alterada, desde que haja uma cláusula prevendo a possibilidade de distribuição desproporcional dos lucros. Os sócios podem, caso queiram, estabelecer diversos critérios que impactarão no montante a ser distribuído para cada um (captação de clientes, produtividade, tempo de dedicação etc.). O mais comum, nestes casos, é que o contrato social tenha uma cláusula genérica, e que as especificidades sejam regulamentadas em acordo de quotista.
Várias decisões relevantes para a empresa somente poderão ser tomadas em reunião de sócios, tais como a nomeação de administradores, decisões sobre a transformação da sociedade (passar de limitada para sociedade anônima), alterações no contrato social, deliberação pela exclusão de sócio, dentre outras.
A forma de convocação da reunião de sócios é bastante burocrática e demanda a publicação de um edital de convocação em jornal de grande circulação e no diário oficial. Na prática, poucas empresas realizam a convocação formal da reunião de sócios, pois este procedimento é dispensável caso todos os sócios decidam uma matéria por escrito, ou estejam presentes no dia da reunião. Contudo, é comum que, em havendo conflitos (discordâncias) entre os sócios, um deles não compareça na data combinada, tornando inviável a discussão da matéria, e forçando à realização da convocação formal da reunião.
Nas sociedades com até 10 (dez) sócios, o contrato social pode regulamentar uma forma mais simples e eficiente de convocação da reunião, podendo ser o envio de carta, email ou outra forma de comunicação escolhida pelos sócios, tornando desnecessária a publicação de edital em jornais e no diário oficial.
Outro ponto central em relação à reunião ou assembleia de sócios é a legitimidade para a convocação da reunião. Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, a lei não assegura a todos os sócios o direito de convocar uma reunião ou assembleia de sócios, atribuindo esta competência aos administradores. Os sócios somete poderiam realizar a convocação em duas hipóteses:
Por isso, pode ser importante que o contrato social regulamente a matéria, especificando em quais hipóteses os sócios (majoritários e minoritários) terão legitimidade para convocar diretamente a reunião ou assembleia de sócios.
Com o passar do tempo é natural que haja um desgaste na relação entre os sócios, mas o simples fato de estar descontente com a postura ou produtividade do seu sócio não é suficiente para excluí-lo da sociedade. A expulsão de um sócio geralmente depende da comprovação, em uma ação judicial que irá demorar vários anos, de que aquela pessoa está descumprindo com suas obrigações sociais (neste sentido, o artigo 1.030 do código civil estabelece que a exclusão do sócio demanda a comprovação em juízo de uma “falta grave no cumprimento de suas obrigações”)
Contudo, é possível que o contrato social crie uma exceção à esta regra, admitindo a expulsão extrajudicial do sócio minoritário que colocar em risco a continuidade da exploração da atividade. Neste caso, basta que os sócios majoritários deliberem pela exclusão e registrem a respectiva alteração na junta comercial.
É importante destacar que os controladores não podem excluir o minoritário sem qualquer motivo, pois a lei exige que o sócio minoritário tenha praticado um ato de inegável gravidade, capaz de colocar em risco a continuidade da empresa (a continuidade da exploração da atividade). Para dar maior concretude à esta possibilidade de exclusão de sócio, é permitida a celebração de acordo de quotistas em que os sócios enumerem uma lista exemplificativa de condutas que poderão servir de fundamento para a exclusão extrajudicial.
Caso um sócio se retire (peça para se desligar) da sociedade ou dela seja excluído, deverá ocorrer a apuração dos seus haveres. Isto é, deverá ser calculado o valor patrimonial da quota deste sócio, ou seja, quanto a quota vale em relação ao patrimônio da sociedade (devem ser considerados todos os bens, inclusive a marca e demais bens imateriais). Realizado este levantamento, a sociedade deverá pagar, no prazo de noventa dias, a quantia que o ex-sócio terá direito a receber. Contudo, o contrato social pode alterar tanto a forma de calcular o valor dos haveres devidos ao sócio, como o prazo de pagamento.
Neste sentido, é viável a inserção de cláusula no contrato social prorrogando o prazo de pagamento e o diluindo em diversas parcelas.
É aconselhável que o contrato social preveja a existência e acordo de quotistas, estabelecendo que os sócios, administradores e a sociedade respeitem seus termos.
O acordo de quotista é um contrato celebrado entre os sócios e que poderá reger diversos temas, dentre os quais destacam-se: a) os direitos e deveres de cada um; b) acordo de voto em conjunto; c) regras de exclusão de sócio; d) cláusulas de tag along e drag along; e) cláusula shotgun; f) acordos de dedicação exclusiva, não concorrência e não aliciamento.
Os administradores, que podem ser ou não sócios da sociedade, são as pessoas responsáveis pela representação da sociedade, são eles que têm a atribuição legal de assinar contratos e externalizar a vontade da sociedade. Havendo mais de um administrador, a regra é que qualquer um deles poderá praticar atos em nome da sociedade, sem necessitar da autorização dos demais administradores ou dos sócios.
Contudo, o contrato social pode estabelecer limites à atuação dos administradores, seja exigindo a assinatura de vários deles para a prática de atos de maior relevância e/ou valor, ou estabelecendo que alguns atos somente podem ser praticados após aprovação dos sócios. Por exemplo, é possível estabelecer que os administradores não podem, sem prévia autorização dos sócios, celebrar contratos acima de determinado valor (a ser escolhido pelos sócios).
Nas sociedades limitadas, o contrato social é livre para regulamentar a compra e venda de quotas, e, caso o faça, sempre prevalecerá sua previsão. Isso quer dizer que se o contrato social possuir uma cláusula regulamentando a venda de quotas, será aplicada a cláusula, mesmo que ela contrarie a determinação da lei. Neste caso, a lei somente se aplica em caso de omissão do contrato social.
Todavia, quando não houver no contrato norma específica sobre a compra e venda de quotas (omissão do contrato social), a transferência entre os sócios será livre. Assim, se uma sociedade possui três sócios (Caio, Tício e Mévio), e Caio transferir para Tício suas quotas, Mévio nada poderá fazer para impedir a venda, pois a venda de um sócio para outro não depende da concordância dos demais.
E se um dos sócios quiser vender suas quotas para uma outra pessoa que não era sócia da sociedade? Neste caso, esta cessão de quotas somente poderá ser realizada com a aprovação de sócios que tenham, no mínimo, 75% do capital social, lembrando que os sócios podem alterar essa regra, caso insiram uma cláusula no contrato social regulamentando o tema.
Em caso de morte do sócio, deverá ser verificado o valor de suas quotas e este valor será destinado aos herdeiros. Assim, numa sociedade em que os sócios são Caio, Tício e Mévio, caso este sofra um acidente e venha a falecer, a sociedade passaria a ter apenas dois sócios (Caio e Tício) e os herdeiros de Mévio receberiam o valor patrimonial da quota deste, havendo um prazo de 90 dias para que a sociedade efetue o pagamento.
Destaca-se que o contrato social pode regulamentar a matéria de outra maneira, como por exemplo, estabelecer a possibilidade dos herdeiros se tornarem sócios da sociedade, alterar o critério de cálculo do valor da quota do sócio falecido e/ou o prazo de pagamento.
Muitos ainda desconhecem essa possibilidade, mas é possível (nas sociedades limitadas) a emissão de quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo, inclusive, ser emitida quota sem direito de voto.