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Os objetivos da Licitação Pública e a nova Lei de Licitações

Por Magnus Guimarães - Coordenador da área de Direito Administrativo | 07/11/2022

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Os objetivos da Licitação Pública e a nova Lei de Licitações

Por Magnus Guimarães - Coordenador da área de Direito Administrativo | 07/11/2022

Após quase três décadas de vigência, Lei nº 8.666, de 21 de 1993, será revogada pela Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021), a partir de 1º de abril de 2023

Houve um longo processo legislativo, mas o texto da nova lei, continua com “excesso de formalismo e pormenores de difícil compreensão, caminhando em sentido inverso àquele necessário para a busca de eficiência de licitações mais ágeis, racionais e transparentes,” como bem observou a Professora Maria Sylvia Zanella de Pietro.[1]

Nesse sentido, o objetivo deste texto é realizar algumas reflexões sobre os objetivos das licitações, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e a evolução da mitigação do formalismo, defendidos pela doutrina e jurisprudência atuais.

Com efeito, é preciso evitar os formalismos excessivos e injustificados a fim de impedir a ocorrência de dano ao erário e valorizar a economicidade e vantajosidade da proposta.

É importante salientar que a análise da forma tem sua importância como meio de prestigiar a segurança e a previsibilidade das decisões, evitando desvios do julgador que possam comprometer a lisura do procedimento.

Mas, não pode tal análise se sobrepor a outros princípios. A compreensão dos valores que irrompem da lei é imprescindível para o alcance do interesse público. Nessa tarefa, devem ser verificados os fins buscados e eleita a solução que melhor atenda a todos os princípios, numa análise sistêmica do processo.

Averba-se isso porque a licitação não é um fim em si próprio, mas sim um meio para obtenção da proposta mais vantajosa para o Poder Público.

Desse modo, cabe ao gestor público pautar suas decisões no procedimento formal, mas sem cair no chamado “formalismo”, que se manifesta pelo apego excessivo à forma, afastando-se da finalidade da seleção da proposta mais vantajosa, de tal modo que a vantajosidade abrirá espaço para a proposta que melhor seguir a disciplina do edital. 

Infelizmente, muitos são os casos em que a comissão de licitação, o pregoeiro ou a autoridade competente, em vista da aplicação dos princípios do julgamento objetivo e da vinculação ao instrumento convocatório, apegando-se de modo literal aos textos normativos e editalícios, excluem licitantes inabilitando-os ou desclassificando suas propostas, que potencialmente se mostram mais vantajosas, pelo simples fato de verificarem falhas sanáveis, ou a desatenção à forma exigida em relação aos documentos e informações apresentados no certame.

A toda maneira, no Brasil, após a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, o papel da jurisprudência como fonte do Direito Administrativo ganhou ainda mais relevo, à medida que o art. 103-A dispõe que as Súmulas Vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) são vinculativas tanto para o Poder Judiciário quanto para a Administração Pública. Para regular o preceito, foi editada a Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006.

Assim, em determinadas situações excepcionais, pode-se justificar que questiúnculas procedimentais, que não atentem contra a isonomia entre os licitantes, sejam prescindidas em favor da busca de uma proposta mais vantajosa para o Poder Público.

Noutro diapasão, é inadmissível que tal comportamento excepcional seja tornado regra, pois o formalismo foi um dos instrumentos concebidos pelo legislador, justamente, para o controle da legalidade e garantia de busca pela melhor oferta, o que exige que sua mitigação seja devidamente justificada.

E foi justamente nesse sentido que o representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Prof. Lucas Rocha Furtado[2] asseverou, in verbis:

 

“A circunstância de que a Administração deve seguir procedimento previamente definido, a fim de celebrar contratos, não implica, no entanto, o dever de adotar formalismos desnecessários ou exagerados.”

 

E, mais adiante, conclui o atual Subprocurador-Geral:

 

É certo que, se o instrumento convocatório de uma licitação impõe determinado requisito, deve-se reputar como relevante tal exigência, arcando o licitante com as consequências de sua omissão. Essa é a regra. ESSE RIGOR NÃO PODE SER APLICADO, NO ENTANTO, DE FORMA A PREJUDICAR A PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO. NESSES TERMOS, A ADMINISTRAÇÃO, AFASTANDO O EXCESSO DE FORMALISMO, DEVE PREFERIR CONSAGRAR VENCEDORA A PROPOSTA MAIS VANTAJOSA, MESMO QUE PARA ISSO TENHA DE ABRIR MÃO DE EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO EDITAL, desde que isso não implique em lesão a direito dos demais participantes”.

 

Vale ressaltar que a doutrina e jurisprudência pátrias, tem sido uníssonas no sentido de que nas licitações públicas, deve-se aplicar, diante do caso concreto, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, visando obter o interesse público maior, que é a contratação pelo “menor-melhor” preço.

No mesmo sentido, devemos avivar que um dos princípios mais importantes da Administração Pública é o da eficiência, e um dos meios para atingi-lo é buscar propostas mais vantajosas, em regra, com economicidade, onde por vezes o uso da discricionariedade se faz necessário.

A respeito da economicidade e da discricionariedade por parte da Administração Pública, o Prof. Marçal Justen Filho[3], em sua obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, com maestria, acentua, in verbis:

 

Economicidade significa o dever de eficiência. A economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos.

[...]

“Como regra, a seleção da alternativa far-se-á em face dos benefícios potenciais de natureza econômica e dos riscos envolvidos. Quanto maiores os benefícios econômicos que poderão advir de uma certa solução, tanto mais intenso será o dever de adotá-la”.

[...]

“O legislador não se encontra em condições de definir, de antemão, a solução mais adequada em face da economicidade. Há escolhas que somente poderão ser adotadas no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias específicas, variáveis em face das peculiaridades. Por isso, a lei remete a escolha ao administrador, atribuindo-lhe margem de liberdade que permita a satisfação do princípio da economicidade. Concede-se liberdade ao agente administrativo precisamente para assegurar que opte pela melhor solução possível em face do caso concreto.”

[...]

“Não basta honestidade e boas intenções para validação de atos administrativos. A economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos.”

 

Ademais, sendo o fim da licitação a escolha da proposta mais vantajosa, deve o administrador estar incumbido de honestidade ao cuidar da coisa pública.

Em face dessa realidade, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) consolidou de maneira firme e pacífica a adoção do caminho da razoabilidade, proporcionalidade, economicidade e mitigação do formalismo nos julgamentos das licitações:


“[...]
O excessivo de apego ao formalismo, em detrimento da finalidade do ato, pode ser prejudicial à Administração, frustrando os objetivos da própria licitação, em especial porque a contratação da empresa desclassificada poderia ser, ainda que em tese, mais vantajosa para o ente público.
[...]

Recurso conhecido e desprovido.  (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.000337-2/001, Relator(a): Des.(a) Fábio Torres de Sousa, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/04/2021, publicação da súmula em 27/04/2021)”

 

Portanto, conclui-se, com uma clarividência solar, que o princípio da vantajosidade para a Administração Pública na licitação deve prevalecer.

De fato, a Nova Lei de Licitações consolidou em uma única lei três diplomas legais: a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 e a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.

Mas, infelizmente, o novo regime jurídico das licitações e contratos administrativos, uma das leis mais relevantes na área de Direito Público, não apresentou grandes novidades e não obteve êxito no seu objetivo de tornar as compras públicas mais racionais, eficientes e econômicas.

 

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Licitações e Contratos Administrativos: inovações da Lei 14.133/21. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

[2] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Atlas, 2001, p. 29 e 31.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 10 ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 48 e 49.

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