Eu sou uma imagem

Novos procedimentos nas regras de desapropriação 

Por Magnus da Silva Guimarães | 09/12/2022

Eu sou uma imagem

Novos 
procedimentos 
nas regras de desapropriação

Por Magnus da Silva Guimarães | 09/12/2022

Com efeito, segundo a definição clássica do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello[1], “desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e adquire, mediante indenização, fundado em interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado”.

 A toda maneira, a regra geral é que no caso de necessidade pública ou ainda, por interesse social, a desapropriação seja mediante prévia e justa indenização em dinheiro, segundo o art. 5º, XXIV da Constituição Federal.

Mas há as exceções constitucionais de (i) pagamento de títulos de dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, na desapropriação em nome da política urbana, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (art. 182, § 4º, III, CF), de competência exclusiva do Município e de (ii) pagamento em título da dívida agrária, para fins de reforma agrária, por interesse social (art. 184, CF), de alçada privativa da União.

De fato, no ordenamento jurídico brasileiro, é o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que ainda estabelece as regras gerais sobre desapropriação.

Importante salientar que a Constituição Federal de 1937, elaborada sob um regime de exceção do Governo Getúlio Vargas, foi classificada como um tipo de Carta Constitucional outorgada, sem a plenitude da legitimidade e vontade popular, no Governo de ideias do Estado-Novo, conforme lembra o Prof. Antônio Moura Borges[2], na sua prestigiada obra denominada “Desapropriação”.

A referida Constituição de 1937 afirmava que a desapropriação deveria ser definida e regulada em lei. Nesse passo, foi expedido o Decreto-Lei nº 3.365/1941, sob a égide de uma ditadura, sem a participação popular e do Poder Legislativo.

Ocorre que o referido Decreto-Lei de Getúlio Vargas permaneceu vigente durante as Constituições de 1937, 1946 e 1967; ao longo da Emenda Constitucional nº 1/1967 (Ditadura Militar) e na atual Constituição Federal de 1988, com pouquíssimas alterações.

Sobre o tema, um ponto que merece reflexão é a possibilidade de requisição de imissão provisória na posse no imóvel declarado de utilidade pública, independente da citação do proprietário, prevista no do Decreto-Lei nº 3.365/41, disciplinada no art. 15, § 1º, in verbis:

 

“Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do CPC, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens.”

A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito:” (grifos nossos)

 

 

Averba-se isso porque tal dispositivo criticado por diversos juristas, foi declarado constitucional e recepcionado pela Carta Magna de 1988, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que sumulou a matéria em 2003:

                       

“Súmula 652 do STF:

Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º, do Decreto – Lei 3365/1941 (Lei da Desapropriação por Utilidade Pública). (DJU 09.10.2003, rep. DJU 10.10.2003 e rep. DJU 13.10.2003).” (grifos nossos)

 

Mas, recentemente, novas regras procedimentais foram incluídas no Decreto-Lei nº 3.365/1941, pela Lei nº 13.867 de 26 de agosto de 2019, alterando substancialmente a operacionalização do rito da desapropriação.

A esse respeito, no texto do estatuto desapropriatório, foram introduzidos os artigos 10-A e 10-B.

Nesse passo, o art. 10-A estabelece a obrigatoriedade de apresentação de oferta preliminar ao proprietário, in verbis:

 

“Art. 10-A.  O PODER PÚBLICO DEVERÁ NOTIFICAR O PROPRIETÁRIO E APRESENTAR-LHE OFERTA DE INDENIZAÇÃO.            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

1º A notificação de que trata o caput deste artigo conterá: (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

I - cópia do ato de declaração de utilidade pública; (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

II - planta ou descrição dos bens e suas confrontações; (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

III - valor da oferta; (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

IV - informação de que o prazo para aceitar ou rejeitar a oferta é de 15 (quinze) dias e de que o silêncio será considerado rejeição; (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

V - (VETADO).            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

2º Aceita a oferta e realizado o pagamento, será lavrado acordo, o qual será título hábil para a transcrição no registro de imóveis. (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

3º Rejeitada a oferta, ou transcorrido o prazo sem manifestação, o poder público procederá na forma dos arts. 11 e seguintes deste Decreto-Lei. (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)” (grifos nossos)

 

Oportunamente, é imprescindível destacar que o comando do art. 10-A utilizou a expressão “DEVERÁ”, que torna “OBRIGATÓRIO”, no sentido de “fica sujeito ao cumprimento”, “torna necessário”.

As novas regras são elogiáveis e mais adequadas com o Estado Democrático de Direito, pois, evitam que os proprietários sejam surpreendidos com uma decisão judicial de imissão provisória da posse para o poder expropriante, sem antes sequer ter tido ciência da existência de declaração de utilidade pública e do respectivo procedimento de desapropriação em andamento. Infelizmente, tal teratologia era comum.

Ora, é tão essencial o cumprimento do art. 10-A do DL nº 3.365/1941, que, caso aceita a oferta e realizado o pagamento, será lavrado acordo, o qual será título hábil para a transcrição no registro de imóveis.  

E ainda, em face dessa nova realidade, o art. 10-B dispõe que pode ser feita a opção pela mediação ou pela via arbitral, ipsis litteris:

 

“Art. 10-B.  Feita a opção pela mediação ou pela via arbitral, o particular indicará um dos órgãos ou instituições especializados em mediação ou arbitragem previamente cadastrados pelo órgão responsável pela desapropriação.            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

1º  A mediação seguirá as normas da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

2º  Poderá ser eleita câmara de mediação criada pelo poder público, nos termos do art. 32 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

3º (VETADO).            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

4º A arbitragem seguirá as normas da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)

5º (VETADO).            (Incluído pela Lei nº 13.867, de 2019)” (grifos nossos)

 

Assim, as principais novidades introduzidas são: (i) obrigação de apresentação de oferta, numa tentativa de resolução amigável na via administrativa (art. 10-A) e (ii) a efetiva possibilidade do(s) litígio(s) ser tratado mediante mediação e arbitragem, de forma mais rápida, menos onerosa e desgastante, fora do Poder Judiciário.

Em casos similares, sobre a observância do art. 10-A do Decreto-Lei nº 3.365/41, alguns tribunais já têm enfrentado de frente a questão e decidido pela obrigatoriedade do cumprimento das novas regras:

 

TJ-RS Acórdão

Agravo de Instrumento - Sucumbência

EMENTA: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 10-A, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. 1. O art. 15 do Decreto-lei nº 3.365/41 possibilita a concessão de liminar para a imissão provisória na posse, antes da citação, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto: alegação de urgência, depósito prévio da quantia da avaliação e comprovação da notificação dos proprietários, nos termos do art. 10-A, do Decreto-lei nº 3.365/41. 2. Caso em que a agravada deixou de atender requisito legal da petição inicial em ação expropriatória (art. 10-A, do Decreto-lei nº 3.365/41) - e, mesmo advertida disso, em emenda à inicial, limitou-se a juntar autodeclaração, firmada por pessoa não corretamente identificada como representante da autora, de que teria promovido uma reunião com os demandadas, sem sequer identificar quem fez parte da reunião e qual foi o objetivo dela, o que, em sede de cognição sumária, nem de longe atende às especificações formais introduzidas pelo legislador. 3. Liminar deferida na origem. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (TJ-RS; Agravo de Instrumento, Nº 51196207620218217000, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 22-10-2021) (grifos nossos)

 

Portanto, finalmente, conclui-se que os novos requisitos legais (arts. 10-A e 10-B) do DL nº 3.365/1941, trazem mais luz, eficiência, transparência, possibilidade de diálogo e ampla defesa no procedimento de desapropriação, cujas regras gerais foram disciplinadas em 1941; num contexto de um período semifascista no Brasil, em que houve fechamento do Congresso e concedia ao Poder Executivo Federal poderes praticamente ilimitados, característicos do Estado-Novo (1937 a 1945).

 

 

 

[1] DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 815.

[2] BORGES, Antônio Moura. Desapropriação. Campo Grande: Editorial Futura, 2008, pág. 72.

InstagramLinkedInYouTubeFacebook

Lacerda Diniz Sena
Todos os Direitos Reservados

Texto alternativo